O
vírus zika já circulava no Brasil no primeiro trimestre de 2014, mais
de um ano antes de casos de infecção serem detectados no país, de acordo
com novos dados de um estudo internacional conduzido em parceria da
Fiocruz com Broad Institute (Fundação criada pelo MIT e
Harvard) e instituições de vários países. A pesquisa revelou ainda que a
origem do surto nas Américas foi o Brasil.
“Originalmente
Fiocruz e Broad trabalharam para catalogar a biodiversidade do vírus
zika no Brasil, o trabalho se expandiu e se tornou o maior estudo de
genômica de zika nas Américas, em quantidade de amostras analisadas.
Como resultado, percebemos que o vírus se espalhou do Brasil para as
Américas, suscitando a necessidade de reforço da vigilância em todos
estes países”, explica o pesquisador da Fiocruz Thiago Moreno L. Souza, coautor sênior e co-correspondente da pesquisa.
As descobertas foram divulgadas nesta quarta-feira, 24/05, na revista Nature,
uma das mais prestigiadas publicações científicas do mundo. O estudo
analisou mais de 200 amostras de pacientes e de mosquitos infectados,
resultando em 110 genomas do vírus zika distribuído em 11 países
afetados. A análise inclui a maior coleção de novos genomas do vírus
zika investigados até hoje. Os dados genômicos permitiram ao time de
pesquisadores reconstruir pela primeira vez a disseminação do vírus na
América do Sul, na América Central, no Caribe e no sul dos Estados
Unidos.
“Sabíamos
que era importante entender as populações virais por trás da epidemia, o
que nos motivou a resolveu os desafios de sequenciar o zika”, disse o
coautor do estudo Hayden Metsky, doutorando no MIT. Segundo ela, os dados
e descobertas também auxiliarão o desenvolvimento de testes
diagnósticos moleculares mais eficientes, assim como permitirão a
melhoria das ferramentas de vigilância da saúde pública.
Em muitas
dessas regiões o vírus circulou por meses antes de casos locais de
infecção serem detectados. Além do Brasil, o vírus parece ter chegado a
Colômbia, Honduras, Porto Rico e outras regiões do Caribe de 4,5 a 9
meses antes das primeiras infecções locais serem confirmadas. Os dados
reforçam a importância de se ter métodos diagnósticos precisos e
específicos nos estágios iniciais de um surto epidêmico.
Estes
resultados aparecem somente agora, mais de um ano após o ápice da
epidemia: o sequenciamento do vírus zika foi desafiador para os
pesquisadores, especialmente no caso das amostras de pacientes. Esta
dificuldade acontece porque o vírus geralmente está presente em níveis
muito baixos em pacientes e desaparece em um curto período de tempo.
Como resultado, pouquíssimos genomas do zika haviam sido gerados antes
deste estudo, deixando os pesquisadores com pouca base para entender
como o vírus se propaga e evolui.
Para
resolver esta falta de dados, a equipe de pesquisadores desenvolveu
novos métodos laboratoriais e analíticos para obter dados genômicos
consistentes e aplicá-los a amostras coletadas no Brasil, na Colômbia,
na República Dominicana, em Honduras, na Jamaica, em Porto Rico e nos
Estados Unidos, de modo a gerar 110 novos genomas para o estudo. Este
montante foi combinado com 64 genomas adicionais disponíveis no GenBank e
em um artigo científico auxiliar que acompanha o estudo, sendo então
objeto de análise.
O trabalho
destaca a importância de se criar parcerias de confiança entre
pesquisadores e instituições de diversas regiões, assim como de se
compartilhar informações abertamente durante epidemias.
“Esta
colaboração foi baseada no compartilhamento das informações e
experiência particulares que cada parceiro dispunha – amostras,
protocolos, análises, ideias – de modo a compreender e enfrentar o
zika”, disse Thiago Moreno.
O estudo foi publicado acompanhado por dois artigos em conjunto, um
deles examinando o estabelecimento e os primeiros estágios da
disseminação do vírus no nordeste do Brasil e o outro a introdução do
zika na Flórida. Todas as três equipes comprometeram-se a compartilhar
dados e ideias livremente entre si, e a publicar as descobertas de modo
cooperativo e ágil.
"Nosso objetivo coletivo era capturar um
quadro tão completo quanto possível da base genômica da epidemia nas
Américas. Trabalhar em conjunto era indispensável para esse objetivo. Ao
invés de competirmos por publicações, queríamos que nossos artigos
influenciassem uns aos outros, refletindo nosso compromisso com o bem
maior”, afirmou a coautora sênior do estudo Bronwyn MacInnis, do Broad Institute.
O vírus zika
continua sendo uma ameaça relevante à saúde pública nos países e
regiões afetadas, sublinhando a necessidade para pesquisas e esforços de
vigilância continuados sobre o vírus.
O apoio para
a parte brasileira deste estudo veio sobretudo da rede Zika da Fundação
Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa no Estado do Rio de Janeiro
(FAPERJ). Contou ainda com recurso do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Prefeitura da
Cidade do Rio de Janeiro, através da Secretaria Municipal de Saúde. O
fomento para realização do braço internacional deste estudo veio de Marc
e Lynne Benioff, e do Instituto Nacional de Alergias e Doenças
Infecciosas dos Estados Unidos. Este trabalho foi e continua a ser parte
de uma colaboração entre países.
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