Na minha juventude, viajar era passar um mês na praia de Iguaba na região dos lagos do Rio de Janeiro, na casa alugada pela minha tia Solange. Hoje em dia se eu falar em Iguaba é capaz do falecido prefeito do Rio apensar-me a casta de pobre, brega e barbudo língua presa. Aqueles eram dias maravilhosos em que a experiência de viajar era a experiência de mudar de casa, andar pela praia papeando até tarde da noite e depois “ir dormir em casa”. Naquela época minha tia Solange era cliente do ar-bi-em-bi e nem sabia. Minha amada esposa também cresceu frequentando casas de veraneio em Miguel Pereira, alugadas por todo o ano, aonde tios e primos faziam a festa anual, com pompa e circunstancia. Ao contrario de mim, minha garbosa esposa sempre foi uma mulher de classe, mesmo quando tinha cinco anos de idade.
O elo comum entre férias na praia de Iguaba ou em Miguel Pereira é que estes imóveis eram alugados do proprietário, sem intermediários ou se muito, através de um arremedo de corretor do interior. Não havia serviços, camararia, limpeza ou roupa de cama. Você trazia seu farnel e nele, lençóis, travesseiros, agua e comida. Vida de pobre é muito dura, para você que não sabe. Até para uns dias na praia, era preciso encenar a “ilíada” de Homero, com seus mais de quinze mil versos, e matar Heitor no final com uma faca de churrasco nas partes íntimas (pescoço na Grécia antiga tinha o mesmo valor de um belo bumbum). Depois sim: um bom banho de mar ou piscina e uma cerveja Belco em lata, quase gelada. Eita, vidão!
No mundo moderno de hoje, vivemos todos tentando fugir das únicas certezas da vida: morte e impostos. Temos conseguido enganar a foice do tempo, esticando cada vez mais nossos anos com a moderna medicina, porém os impostos nos obrigam a ser mais e mais criativos a cada exercício fiscal. É ai que o assunto chega: Como ser hotel sem ter os custos operacionais e os impostos de um hotel? Pense aí: Um hotel “bem tijolado” deixa 20% a 25% de lucro no final do ano. Claro, claro... Este número pode variar dependendo da sazonalidade, da concorrência, da Dilma e do Ronald Mcdonalds. Mas a média é mesmo essa. Vamos imaginar que você não tenha seus custos operacionais de hospedagem, de café da manhã, de segurança e, na maioria dos casos, nem de manutenção.
Tira mais o ISS, o PIS/COFINS e saca fora o IRPJ. Agora bote aí uma “Trend” de custos de vendas (estou com você, Luppa!), ou seja, 27% da sua receita. Sua margem irá para cerca de deliciosos 48%. Isto é ar-bi-em-bi. Pegue seu apartamento alugado, bem localizado e vire hoteleiro, ou melhor, “poolista” do maior condo-hotel do mundo. É simples a comparação, amigo: você comprou um imóvel faz 10 anos em um hotel-flor de sua escolha, seja a flor vermelha, a azul ou a cheia de estilo. O imóvel é seu, mas quem aluga e rentabiliza seu patrimônio individual é a operadora hoteleira sobrinha-neta do Nicolas Villegagnon. Você é vizinho de uma centena de outros ar-bi-em-bi no mesmo prédio. Os empregados estão sob sua responsabilidade previdenciária, as receitas recebem trato fiscal em sociedade que você é sócio, o IPTU é seu, etc. Mas o trato empresarial é, obviamente, de um hotel.
Olhemos ao outro lado agora: você é uma empresa de reservas que se responsabiliza pela locação, pela limpeza, etc, etc. Mesmo que indiretamente, o serviço é tomado de você “empresa”, do seu site, dos seus empregados, poolista mundial deste grande hotel chamado ar-bi-em-bi. Você consumidor contrata uma, duas ou trinta diárias de uma marca única. Isto pode acontecer pagando o host ou pagando o Santo Expedito, mas de onde eu olho, estamos falando de um hotel, seja de um quarto ou quatro quartos; seja com piscina ou sem; seja com vista para o mar ou sem. Se é então assim que a banda toca nada mais justo que o tratamento igualitário para meios de hospedagens.
Vai ter que pingar o ISS, o PIS e o COFINS, o IRPJ e terá que operar como uma empresa de hospedagem que é. Com tudo pago, você poderá usufruir de sua casa na praia ou na serra. Iguaba ou Miguel Pereira.
Veja bem, eu vislumbro o ar-bi-em-bi como uma tendência inevitável que deve se tornar multimarca, pois não existem barreiras de entrada para outros concorrentes que prestem o mesmo serviço de aluguel de apartamentos, como se hotéis fossem. Tipo o que está acontecendo com o Xuber que concorre com todo mundo hoje, achatando as margens dos taxistas e gerando uma bruta confusão nos miolos do consumidor.
Eu também entendo que as novas gerações não percebem ainda a importância de viver em uma sociedade com regras e costumes e que buscam, por enquanto, maior vantagem para sim em detrimento do bem comum. “O importante é pagar menos, Gerson”, mesmo que seja sonegando imposto, esgueirando-se pelas brechas da lei ou atestando temeridades e armadilhas contemporâneas como o serviço de taxi informal da balinha de menta. Sob o discurso de que a sociedade precisa de serviço melhor, carro melhor, de salvar o desempregado através do Xuber, de que é mais seguro, etc, estamos legislando e judiciando acima dos que existem para tal. Agora... Se você não está satisfeito com legislativo e judiciário que tem, a conversa é outra.
Concluindo, sou a favor de todas as agencias de viagens, de OTA’s, de operadoras, de redes e empresas hoteleiras, bem como de alternativas de turismo e hospedagem para segmentos específicos de clientes. Não sou a favor de contabilidade criativa, de sonegação, nem de desvios sejam quais forem as justificativas. Os fins não justificam os meios fora das organizações criminosas – sejam elas partidos políticos, empresas ou igrejas.
E sim: minha missão é cooptar você para o lado bom da vida, ajudando a alinhar seu discurso com a sua prática.
*Julio Gavinho é executivo da área de hotelaria com 30 anos de experiência
Nenhum comentário:
Postar um comentário