Festas
juninas que invadem o mês vizinho, alargando-se para as já
tradicionais festas julinas, Copa do Mundo (quem sabe?), as boas
vindas ao novo ano.. são muitos os motivos para festejos coletivos,
nos quais os fogos de artifício tornaram-se a atração principal,
em engenhosos e belíssimos shows pirotécnicos! Porém, nem tudo é
brincadeira! Os fogos de artifício são produtos perigosos e a
explosão é o principal perigo da sua fabricação e uso.
Por
trás da beleza, da alegria e dos barulhos festivos dos fogos de
artifício esconde-se uma triste realidade: a angústia e o medo
enfrentados pelos trabalhadores da indústria pirotécnica, extensivo
a seus familiares e amigos. É que os acidentes de trabalho nesse
setor não são raros, e o pior, são, geralmente, fatais ou
mutilantes.
Nessa
reportagem especial, publicada na íntegra no site do TRT de Minas
Gerias, é realizado um panorama do universo dessa indústria
pirotécnica e o drama dos trabalhadores, vítimas de acidentes de
trabalho.
Bastidores
da indústria pirotécnica: o lado sombrio do show de luz
No
Brasil, a história dos artigos pirotécnicos está ligada a Santo
Antônio do Monte, cidade mineira considerada como "a terra dos
fogos". A região é referência no mundo da pirotecnia,
representando o segundo maior pólo mundial produtor de fogos de
artifício, perdendo apenas para a China (de acordo com pesquisa do
Instituto Euvaldo Lodi, de 2003). Com uma população de cerca de
30.000 habitantes, a cidade abrange cerca de 45 empresas do ramo, que
geram aproximadamente 6.600 empregos no setor (dados de 2007).
O
estopim do perigo nas fábricas de fogos de artifício
O
elevado índice de acidentes de trabalho na indústria pirotécnica e
suas graves consequências aos trabalhadores preocupa autoridades,
entidades sindicais e pesquisadores. Eles alertam para o fato de que,
além dos riscos de explosão - o principal perigo na fabricação
desses artefatos - há vários registros de doenças relacionadas ao
trabalho. Muitos desses acidentes decorrem da falta de treinamento
adequado dos trabalhadores do setor, enquanto as doenças surgem pelo
exercício de atividades penosas e nocivas, causadoras de lesões por
esforço repetitivo (LERs) e doenças osteomusculares relacionadas ao
trabalho (DORTs).
Inspeções
realizadas pela DRTMG (Delegacia Regional do Trabalho de Minas
Gerais) em algumas fábricas de fogos de artifício em 1998
conduziram a um estudo que, posteriormente, serviu de base para
intervenção desse órgão, em parceria com MPT (Ministério Público
do Trabalho) e a Fundacentro (Fundação Jorge Duprat Figueiredo de
Segurança e Medicina do Trabalho de Minas Gerais). Os principais
problemas constatados foram os seguintes:
-
os empregadores não viam custos com segurança como investimento;
-
os trabalhadores desconheciam as características perigosas das
misturas e dos produtos que manuseavam e, assim, não sabiam como os
prevenir explosões;
-
não eram implementados programas de controle de qualidade e gestão
de riscos;
-
o perigo e a ocorrência de explosões eram socialmente aceitos como
"fato normal" ou "inerente ao processo" por todos
os membros da comunidade.
Após
uma década, evidências recentes demonstram que essa realidade
permanece praticamente a mesma, ou seja, não houve mudanças
significativas nas condições de trabalho na indústria pirotécnica.
Pressões e intimidações dos empregadores são apontadas como
causas da frágil mobilização dessa categoria profissional e como
elemento que dificulta a atuação do Sindifogos (Sindicato dos
Trabalhadores de Fogos de Artifício) na defesa dos direitos dos
trabalhadores.
Além
da falta de treinamento, as jornadas longas e desgastantes, muito
comuns nas fábricas de fogos, também é fator que contribui para a
ocorrência desses incidentes, pois o cansaço compromete a atenção
e a diligência dos trabalhadores com as medidas de segurança.
Análises
das informações do AEAT (Anuário Estatístico de Acidentes do
Trabalho), do Ministério do Trabalho e Previdência Social,
referentes ao período de 2006 a 2008, mostram que a maior parte dos
acidentes de trabalho no setor de fogos de artifício ocorre durante
a realização das tarefas ligadas à produção (mais de 60% do
total de acidentes nesse setor). Entre estes, os mais frequentes são
os que atingem dedos, mãos, punhos, braços e outros elementos dos
membros superiores, geralmente causando amputações. No que se
refere às doenças identificadas, pode-se dizer que, em geral, são
doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo, tais como
as tenossinovites e sinovites. Também existem as queimaduras
causadas por fogo, chama ou material incandescente, juntamente com
problemas no sistema respiratório causados por inalação de fumaça.
Vários
fatores são apontados como causa desses acidentes. O primeiro deles,
segundo relatos dos próprios trabalhadores, é a inadequação do
treinamento técnico oferecido aos empregados para o desempenho das
funções e também quanto às normas de segurança. Nos setores onde
os operários manipulam produtos perigosos, como a pólvora branca
(considerada a mais perigosa, por sua composição altamente
inflamável), nem sempre são asseguradas as condições mínimas de
segurança, como, por exemplo, a existência de uma lâmina d'água
que impeça o atrito dos calçados com os produtos químicos que se
alojam no chão.
As
condições materiais e ambientais de trabalho e a responsabilidade
das empresas fabricantes
A
concessão do registro e a fiscalização do funcionamento das
fábricas de fogos de artifício são atribuições do Exército
Brasileiro e, para funcionar, as fábricas têm de satisfazer severas
normas de segurança. O Decreto. 3.665, de 20 de novembro de 2000
(Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados) e a Norma
Regulamentadora n. 19 (Explosivos), do Ministério do Trabalho e
Emprego, determinam que as fábricas de fogos de artifício sejam
instaladas na zona rural, distantes de edificações e habitações
urbanas.
As condições ambientais e materiais de trabalho no setor pirotécnico são, em geral, precárias. Os barracões são ambientes muitas vezes pequenos, pouco iluminados e abafados. Os barracões onde se manipula a pólvora branca, considerada a mais perigosa, por sua composição altamente inflamável, devem ter no mínimo 12 m2, sendo permitida a permanência de apenas uma pessoa. O piso desse barracão deve ser impermeável e, sobre ele, deve haver uma lâmina d'água com, pelo menos, 10 cm de profundidade, para evitar explosões decorrentes do contato entre elementos que participam de reações químicas. Os operários devem utilizar botas de borracha que cobrem até a altura do joelho, para não ter contato direto com água carregada com resíduos químicos.
Enfim,
o que se percebe é que as precárias condições de trabalho nas
fábricas de fogos de artifício estão diretamente relacionadas aos
problemas de saúde e aos graves acidentes de trabalho de que são
vítimas os trabalhadores pirotécnicos. A forma inadequada de
organização e de gestão da força de trabalho também contribui
para esse quadro. Os acidentes súbitos no setor rapidamente viram
notícia na imprensa e, como não poderia deixar de ser, geram
inúmeras ações da Justiça do Trabalho mineira, com pedidos de
indenização por morte, feito pelos herdeiros do trabalhador, e
também por danos morais, materiais e estéticos, decorrentes de
queimaduras, amputações, etc.
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Trabalhadores que se ferem com fogos de artifícios no trabalho
Confira,
a seguir, uma decisão do TRT-MG em ações que tratam da matéria e
que ilustram o drama dos trabalhadores do setor pirotécnico, vítimas
de acidentes de trabalho.
Viúva e filhos de trabalhador que sofreu acidente fatal em
fábrica de fogos serão indenizados.
No
recurso analisado pela 5ª Turma do TRT-MG, uma fábrica de fogos não
se conformava com a sentença que a condenou a pagar indenização
por danos morais e materiais à viúva e aos filhos de um trabalhador
que morreu quando produzia fogos para a empresa. A fábrica afirmou
que não teve culpa no acidente que vitimou o trabalhador. Mas,
adotando o entendimento da relatora, desembargadora Maria Cecília
Alves Pinto, a Turma não acolheu esses argumentos. Além de ter
concluído que a fábrica não cumpriu com as normas de segurança do
trabalho, o que seria suficiente para demonstrar a culpa no acidente,
os julgadores também reconheceram a responsabilidade objetiva da
empresa (que independe de culpa), em razão da atividade de alto
risco desenvolvida, qual seja, a fabricação de artefatos
explosivos. Assim, foram mantidas as indenizações deferidas aos
herdeiros do trabalhador, negando-se provimento ao recurso a empresa.
Pelo
que foi apurado no processo, o empregado foi vítima de explosão em
razão da inobservância das regras de segurança quanto ao manuseio
do material para a confecção de fogos de artifício. O laudo
realizado pelo Instituto de Criminalística da Polícia Civil apurou
que foi identificado um volume elevado de bombas armazenadas para
secagem no galpão atingido pela explosão. Além disso, informou que
se faz necessária a presença ostensiva e contínua de supervisor na
conferência dos serviços internos, principalmente quanto ao volume
limite de material explosivo em cada barracão, o que não foi
observado pela fábrica como deveria.
Outro
dado importante do laudo foi destacado na decisão: "A distância
entre o barracão de colagem e o de secagem não se encontra coerente
com o volume de material explosivo armazenado tendo em vista o grau
de destruição atingido conforme exigência da NR19 e do R105. A
distância atual entre o secadouro e a colagem é inferior a 10,00m
conforme planta de situação da fábrica".
Foram
trazidos ao processo outros relatórios, inquéritos e apurações
visando esclarecer o acidente fatal que vitimou o trabalhador. A
conclusão constante do Relatório do Ministério da Defesa foi de
que "houve por parte da empresa negligência em não fiscalizar
os pavilhões e cobrar dos funcionários e principalmente do Técnico
de Segurança, o cumprimento das normas de segurança".
Ao
final, aponta que "a empresa não atende a todos os itens
considerados obrigatórios quanto às condições de segurança".
Para
a desembargadora relatora, ficou clara a culpa da empresa no
acidente. "A simples violação pelo empregador de norma de
conduta relativa à saúde, higiene e segurança do trabalhador basta
para caracterizar a sua culpa. Os ônus do trabalho em condição
insegura não podem ser impostos ao trabalhador, pois cabe à empresa
impedir esse trabalho inseguro", frisou, ressaltando que o
parágrafo 1º do artigo 19 da Lei nº 8.213, de 1991, fixa a
responsabilidade do empregador pela adoção de medidas individuais e
coletivas de segurança e proteção da saúde do empregado,
reportando-se aos equipamentos protetivos do corpo do trabalhador.
Ela citou ainda o direito do empregado ao ambiente de trabalho
saudável e seguro (inciso XXII do art. 7º da CF/88) e o dever do
empregador de cumprir as regras legais de cuidado com a segurança e
medicina do trabalho, nos termos do art. 157 da CLT.
NJ
Especial - Perigo nos bastidores do show: fábricas de fogos de
artifício são palco de trágicos acidentes de trabalho (imagem 9)
NJ Especial - Perigo nos bastidores do show: fábricas de fogos de
artifício são palco de trágicos acidentes de trabalho (imagem 9)
A
desembargadora observou que, apesar de alguns riscos serem facilmente
detectáveis, pela natureza da própria atividade da empresa
(fabricação de artefatos explosivos), "cabe à empregadora não
somente avaliar todas as possibilidades de trabalho inseguro, mas
também neutralizar as condições de risco, de forma a evitar a
ocorrência de acidentes".
Acompanhando
a relatora, a Turma manteve a indenização por dano material fixada
na forma de pensão mensal aos herdeiros, equivalente a 2/3 da última
remuneração do trabalhador falecido, desde o dia do acidente até a
data em que ele completaria 70 anos. Quanto aos filhos, foi limitada
à data em que completariam 25 anos. Já a indenização por danos
morais foi fixada na sentença no valor de R$25.000,00 para cada um
dos herdeiros, tida como suficiente e adequada pela Turma reparar os
prejuízos morais causados, além de desestimular novas práticas do
gênero.
Fonte: Secretaria de Comunicação Social - Assessoria de imprensa |
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