Com a proximidade do período de férias, Conselho lembra que profissionais, na condição de passageiros, devem atentar para aspectos técnicos e éticos diante de emergências em vôos
Durante uma viagem de avião não é raro a pergunta “há algum médico habilitado a bordo?”. Embora sem números oficiais, uma vez que não existem normas internacionais para quantificá-las, as emergências relacionadas à saúde de passageiros são comuns. Com o aumento do trânsito em aeronaves comerciais no próximo mês, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) lança algumas recomendações aos mais de 144 mil médicos paulistas, diante dessas situações.
Como o corpo humano passa por adaptações dentro de um avião pressurizado, com menor concentração de oxigênio, baixa umidade e menor pressão atmosférica, são comuns ocorrências de menor gravidade, como enjôo, cefaléia, alterações respiratórias e cardiovasculares, mas também síncopes. Caso um passageiro passe mal, a convenção internacional determina que a equipe de comissários – treinada pelas empresas aéreas –, faça a primeira abordagem. Raramente é necessário um atendimento médico. No entanto, em situações mais graves, a equipe de comissários pode solicitar o auxílio de médico que esteja a bordo, independentemente da nacionalidade do profissional ou em qual país esteja o avião. Mesmo sem experiência em determinada especialidade, o médico que se sentir apto para auxiliar poderá fazê-lo.
“O médico é a pessoa mais qualificada para este tipo de situação. Se estiver se sentindo confortável para tal, pode prestar socorro. O suporte à vida é a principal missão do médico. Além disso, a simples presença desse profissional e seu amparo preliminar já transmitem segurança a quem necessita do atendimento”, comenta a doutora Maria Camila Lunardi, conselheira do Cremesp.
Dilemas
O exame físico do enfermo nem sempre é fácil dentro de um avião. Além dos ruídos – que atrapalham, por exemplo, a ausculta – a baixa luminosidade, a falta de espaço da aeronave, a presença de outros passageiros, entre outros fatores, são desafios para o trabalho do médico, que deve contar com o auxílio da tripulação. Além disso, a ausência de medicamentos e instrumentos de trabalho variados, nem sempre encontrados nos kits médicos de bordo obrigatórios das empresas aéreas, é fator limitador desse socorro.
Esses casos levantam questões éticas e legais. Uma das dúvidas mais comuns entre os médicos em viagem se refere ao exercício da profissão em pleno espaço aéreo. Existe a preocupação quanto à sua responsabilidade, mesmo com o amparo legal que o protege. “O médico, sendo a pessoa mais preparada para atuar em emergências, caso entenda ser capaz de realizar o atendimento, costuma se encaixar no princípio do bom samaritano, tendo responsabilidades mais abrandadas. Esse dilema em relação ao atendimento nestas situações existe porque, muitas vezes, nos referimos a um trabalho eventual e em circunstância atípica, onde o mais importante é sua qualificação e não a origem do profissional ou o local onde ele está atuando”, esclarece Maria Camila. Alguns países costumam enaltecer esse tipo de intervenção médica, como exemplo de ação voluntária, a exemplo dos Estados Unidos e do Brasil.
O Cremesp lembra ainda que o médico passageiro, acionado para agir em emergência, tem o importante papel de passar todas as informações ao comandante da aeronave e, assim, atuar como seu consultor. No caso de riscos maiores, como infarto do miocárdio ou acidente vascular cerebral, o médico pode recomendar até alterações de rota ou o pouso em aeroporto mais próximo.
O Cremesp indica também aos profissionais paulistas a leitura da Cartilha de Medina Aeroespacial lançada pelo CFM, em 2018, com dicas básicas de procedimento em caso de emergências.
Regras
O novo Código de Ética Médica, em vigor a partir de maio de 2019, mantém o princípio fundamental VII que afirma: “o médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.”
No mundo
O Journal of the American Medical Association (JAMA) publicou, em dezembro de 2018, artigo intitulado In-Flight Medical Emergencies: A Review, que apresenta os resultados de um levantamento de artigos sobre emergências aéreas em um período de quase 30 anos nos Estados Unidos. Os dados obtidos mostram a ocorrência de, aproximadamente, uma emergência em vôo para cada 604 realizados. Quase a metade desses episódios registrou um médico realizando atendimento e a maioria envolve intercorrências simples. Esse trabalho é assinado por Christian Martin-Gill, Thomas J. Doyle e Donald M. Yealy, do Departamento de Medicina de Emergência da Universidade de Pittsburgh e do Centro Médico Universitário de Pittsburgh.
Papel do paciente
Para melhorar o atendimento e aumentar a segurança dos passageiros, as companhias aéreas comerciais recomendam que pessoas com necessidades ou condições especiais de saúde façam o registro dessas em documentos específicos, disponibilizados pelas próprias empresas. Seu preenchimento correto facilita o monitoramento e o eventual atendimento.
É o caso de passageiros com doenças cardíacas, pulmonares, pós-operatórios recentes, entre outros exemplos. Em se tratando de patologias específicas, é necessário solicitar uma autorização prévia do médico, para a segurança do paciente durante o vôo.
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