Renata Furlan Viebig
A
Doença Celíaca (DC) é uma enfermidade autoimune desencadeada pela
ingestão de cereais que contêm glúten, especialmente o trigo e seus
subprodutos, além de aveia, centeio, cevada e malte, por indivíduos
geneticamente predispostos. Para que a doença se expresse, além do
consumo do glúten e da suscetibilidade genética, é também necessária a
presença de fatores imunológicos e ambientais.
Mundialmente,
a DC é considerada problema de saúde pública devido à sua prevalência e
à frequência de sintomas que impedem que o indivíduo tenha um cotidiano
normal. A DC não tratada pode levar complicações graves, principalmente
osteoporose e doenças malignas do trato gastrointestinal.
A
exclusão do glúten da dieta destes pacientes não cura a DC, mas a
mantém em remissão clínica, ou seja, há melhora de sinais e sintomas e a
doença para de progredir. A substituição dos alimentos com glúten na
dieta pode ser realizada utilizando-se milho, fubá, arroz, batata,
mandioca, polvilho, soja, quinua e suas farinhas, porém, o número de
produtos prontos oferecidos para a população celíaca ainda é pequeno,
principalmente fora dos grandes centros urbanos, o que dificulta o
seguimento da dieta.
Além
disso, rotulagem incorreta e possíveis contaminações por glúten durante
o processo de fabricação de alimentos (manuseio, processamento em
maquinário e equipamentos, transporte e estocagem incorretos) podem
aumentar as chances de transgressões alimentares involuntárias.
Pacientes
com DC podem desenvolver quadros graves mesmo quando em contato de
traços de glúten em alimentos e assim, garantir uma dieta absolutamente
isenta de glúten é praticamente impossível, considerando-se a ocorrência
de, ao menos, um grau mínimo de contaminação na alimentação diária.
Dessa
forma, o paciente deve sempre conhecer os ingredientes que compõem as
preparações alimentares e fazer leitura minuciosa dos ingredientes
listados nos rótulos de produtos industrializados. Isto se agrava quando
se trata do público infanto-juvenil, uma vez que ainda não estão
alfabetizados.
Quando
consomem glúten normalmente, os pacientes com DC podem apresentar
alterações nas funções do intestino e prejuízo na absorção de
nutrientes, ou seja, o consumo de glúten leva estes pacientes à
desnutrição e emagrecimento não intencional. Quando estes mesmos
pacientes excluem completamente o glúten da dieta, voltam a ganhar peso e
se recuperam.
Na
contramão do que ocorre com o paciente com DC, recentemente, alguns
profissionais da área de saúde e, em especial, a mídia e as redes
sociais, têm sugerido que uma dieta isenta de glúten pode levar ao
emagrecimento de pacientes sem DC, além de outros possíveis benefícios.
Há publicações e livros com títulos bastante chamativos como “Barriga de
glúten”, as quais vem sendo comercializadas livremente e a população
cobra um posicionamento dos profissionais nutricionistas a respeito
destas práticas.
Por
outro lado, pesquisas realizadas nos últimos anos mostraram que, além
de não ocorrer o emagrecimento na maior parte dos indivíduos em dieta
GF, muitos ainda ganharam peso, pois substituem alimentos como pão,
macarrão e biscoitos por outros alimentos de maior valor calórico. Além
disso, produtos de panificação sem glúten são pobres em fibras e contém
mais gorduras e açúcares.
No
último dia 25 de março de 2016, a Sociedade Brasileira de Alimentação e
Nutrição – SBAN publicou sua posição a respeito da adoção de dietas sem
glúten ou gluten free (GF), com base em uma análise crítica da
literatura disponível. A principal conclusão dos pesquisadores foi de
que não há evidências suficientes para supor que indivíduos saudáveis
possam extrair qualquer benefício de uma dieta GF.
Além
disso, dados das pesquisas avaliadas indicam que mesmo indivíduos com
doença celíaca que tenham sobrepeso não perdem peso ao adotar dietas GF e
que estudos experimentais recentes mostraram possíveis efeitos
deletérios da alimentação GF sobre a microbiota intestinal (antigamente
flora intestinal) de indivíduos saudáveis.
Antes
mesmo deste posicionamento, em 2014, o Conselho Regional de
Nutricionistas da terceira região, que integra o Estado de São Paulo,
publicou nota oficial na qual restringe os Nutricionistas a prescreverem
dietas sem glúten apenas para pacientes com DC previamente
diagnosticada, sob pena de infração do Código de ética profissional e
penalidades previstas neste documento.