O governo federal deve realizar, em 2017, a 14ª Rodada de Licitação de blocos exploratórios de petróleo e gás natural e dentre as várias questões que estão sendo definidas estão as regras de Conteúdo Local.
O sucesso da rodada depende de fatores como: a qualidade das áreas ofertadas, estabilidade política do país, do ambiente regulatório, da burocracia, dos tributos locais, das exigências ambientais, da tradição em respeito aos contratos, da constância de regras, do custo do país (no caso, CUSTO BRASIL) e exigências como a de Conteúdo Local, entre outros.
A exigência de Conteúdo Local, mesmo sendo apenas um em meio a tantos outros fatores de decisão, tem recebido um destaque especial, como se fosse a grande causadora de todos os problemas ocorridos com a indústria do petróleo no país. Cabe ainda lembrar que a crise no Brasil é generalizada e não apenas na indústria do petróleo.
Desde o primeiro leilão de blocos exploratórios, em 1999, as exigências de Conteúdo Local têm sido empregadas como ferramenta de desenvolvimento nacional por meio da inserção de nossa indústria no mercado até então monopolista, onde havia uma “política industrial” conduzida com sucesso pela Petrobras. Àquela época, a Petrobras adquiria mais de 65% de suas demandas de bens no Brasil. Portanto, a política de Conteúdo Local não nasceu no governo anterior e, sim, no governo de FHC.
A forma de introdução das exigências de Conteúdo Local foi sendo modificada até a introdução, em 2005, da metodologia de uso de uma cartilha que estabelece Conteúdo Local por itens, a qual persiste até hoje.
Embora tenha falhas, a cartilha teve o mérito de permitir que o mercado supridor nacional fosse visível e tivesse oportunidade de participar.
Cabe esclarecer que o investimento em um campo de petróleo está, a grosso modo, assim dividido: 50% são serviços, 30% são máquinas e equipamentos e 20% são materiais (chapas, tubos, tintas etc.). Ocorre que a maioria dos serviços, por suas características, já leva, obrigatoriamente, a um elevado índice de Conteúdo Local. Logo, se considerarmos um índice de Conteúdo Local global de, por exemplo, 40%, em tese, esse percentual pode ser alcançado com 0% de máquinas, equipamentos e materiais, os quais são provenientes da indústria de transformação, que é aquela que mais agrega valor e mais gera empregos.
Portanto, para que haja uma homogeneidade na participação dos diversos segmentos envolvidos, torna-se necessário que esses segmentos sejam considerados individualmente no computo do Conteúdo Local.
Falar que a indústria nacional só vai vender se for competitiva é o mesmo que não haver exigência de Conteúdo Local, pois todos sabemos que o Custo Brasil impede que nossa indústria possa concorrer com outros países que têm juros abaixo da inflação local, que têm câmbio administrado e baixa incidência tributária. Podemos citar exemplos de produtos que, embora tenham escala de produção no Brasil, não são competitivos em preços com produtos de outros países, como automóveis, roupas, combustíveis, lubrificantes (estes últimos fabricados pela Petrobras).
A Petrobras e demais companhias de petróleo são subsidiadas nos seus investimentos, pois são desoneradas de todos os tributos, inclusive do Imposto de Importação. Seus fornecedores de bens do Brasil não têm qualquer subsídio ou proteção.
Estas empresas de petróleo, entre elas a Petrobras, declaram insistentemente que, sem as medidas protecionistas como o Regime Especial REPETRO, que desonera seus investimentos e operações, a indústria de petróleo no Brasil seria inviável. Ora, a indústria do petróleo não é composta só pelas empresas de petróleo. Os países onde o modelo é esse estão em má situação ou falidos, como Angola, Venezuela, Nigéria, entre outros tantos que compõe a OPEP.
O segredo, praticado pela Noruega ou Reino Unido, é desenvolver, juntamente com a produção de petróleo, uma indústria local com instalações adequadas, qualidade requerida, tecnologia necessária e engenharia bem desenvolvida, fatores que dispomos no Brasil e que, agora, correm o risco de serem destruídos. Hoje, para a Noruega, por exemplo, a indústria é mais importante que a produção de petróleo.
Cabe esclarecer que não foi o Conteúdo Local que levou à corrupção tratada no âmbito de Lava-Jato e, sim, a metodologia de contratação da Petrobras de projetos completos em poucas empresas, que viabilizou a formação de “clubes” e a colocação de editais mal planejados, incompletos e mal especificados, sem considerar até mesmo a capacitação das empresas candidatas, muitas delas sem experiência anterior. A corrupção ocorreu no modo de contratar, no modo de selecionar as empresas e, principalmente, decorreu da incapacidade física em executar um enorme volume de obras, ao mesmo tempo sem um efetivo controle gerencial. Aliás, quando a presidente Graça Foster começou a introduzir algum controle, a verdadeira situação começou a vir à tona: atrasos enormes nos empreendimentos, principalmente nos importados, como foi o caso das 12 sondas de perfuração, que atrasaram, em média, dois anos e não tinham Conteúdo Local, e o total descolamento dos orçamentos iniciais em percentuais inimagináveis que chegaram a mais de 500%.
Tais fatos ocorreram também, e em grande escala, em empreendimentos onde não havia a exigência legal de Conteúdo Local, como nas refinarias RNEST e COMPERJ e nas plantas de fertilizantes. Nos investimentos nas refinarias não existiu a obrigatoriedade de Conteúdo Local, mas foram ali os maiores escândalos de corrupção da nossa história e também os maiores atrasos com produtos importados. Vale dizer que na indústria de máquinas brasileira existem aproximadamente 800 empresas que direta ou indiretamente fornecem para a Petrobras e que NENHUMA delas está envolvida nos escândalos citados.
Como já foi dito, a exigência de Conteúdo Local Global, na prática, representa Conteúdo Local ZERO, sendo que muitos materiais são oriundos de produtos da própria Petrobras e que deixarão de ser comprados no Brasil.
Os investimentos estrangeiros são vitais para o desenvolvimento do país e são bem-vindos, desde que não venham na forma de bens importados. O capital estrangeiro tem que gerar empregos e renda aqui. Entretanto, como a maioria dos financiamentos vem de bancos de desenvolvimento nos países de origem, a tendência é que tudo venha de fora, deixando pouquíssimos empregos inevitáveis no Brasil e de baixa qualificação.
A mudança radical, embora haja o compromisso do governo de que será válida apenas para a 14ª Rodada, é uma péssima sinalização para as empresas que têm planos de investir na indústria de bens e serviços no Brasil. É um sinal de alerta para aquelas empresas que já investiram, as quais sem muita dificuldade podem sair do país, deixando para trás mais desempregos e impostos que deixarão de ser gerados.
O custo do Não Conteúdo Local poderá ser contabilizado na perda de aproximadamente um milhão de empregos, além daquelas centenas de milhares de empregos que já perdemos.
Concluindo, numa situação em que a Petrobras se encontra com sérios problemas financeiros e dificilmente terá participação significativa no próximo leilão, estamos destruindo toda uma capacitação nacional, centenas de milhares de emprego e arrecadação de impostos, para obter investimentos de empresas multinacionais que virão para extrair o petróleo e exportá-lo, deixando aqui apenas os “royalties” que um dia acabarão, quando o petróleo acabar. É isso o que queremos??? É disso que o Brasil precisa???
Queremos sair do modelo “Mar do Norte” para um modelo Opep? Queremos ser como Venezuela, Nigéria e Angola ou como Noruega e Reino Unido? Nossos desempregados aceitam exportarmos empregos para China, Coreia e Singapura? A resposta precisa ser dada pelas autoridades.
*José Velloso é engenheiro, especialista no setor de óleo e gás e presidente executivo da ABIMAQ