Estudo
realizado para testar a eficácia de Clopidogrel, um dos genéricos mais
utilizados para tratar doenças coronarianas, mostra que em 39% dos
pacientes o medicamento não funciona como deveria. A pesquisa foi
desenvolvida pelo Instituto de Fisiologia da Universidade de São Paulo
(USP), em parceria com o Instituto de Ciência e Saúde do Estado de São
Paulo e apoio da Life Diagnósticos, com 900 pacientes, a maioria havia
se submetido à angioplastia com colocação de stent – dispositivo
utilizado para desobstruir artérias e melhorar a circulação sanguínea.
Conforme
Elia Ascer, professor de cardiofisiologia da USP e responsável pelo
estudo, as instituições decidiram realizar a pesquisa diante da resposta
negativa de muitos pacientes ao tratamento com Clopidogrel, incluindo
complicações graves, como o desenvolvimento de tromboses. Nos pacientes
submetidos ao estudo, foram realizados testes farmacogenéticos que
avaliam a metabolização do medicamento pelo organismo.
O
resultado surpreendeu a equipe de pesquisadores, segundo Ascer, ao
apontar que 39 dos pacientes%, bem acima da média de estudos
internacionais, metabolizavam muito lentamente ou tinham uma
metabolização intermediária da substância. A fim de que os tratamentos
fossem realmente eficazes nessa população, foi preciso alterar a dose de
Clopidogrel ou mudar o medicamento, explica o professor da USP.
Testes farmacogenéticos
O
teste farmacogenético analisa a resposta das pessoas aos tratamentos
medicamentosos, ao detectar a existência ou não de variações no sistema
enzimático responsável pela metabolização dos medicamentos, neste caso a
enzima CYP2C9. Como Clopidogrel faz parte da classe de pró-drogas, o
perfeito funcionamento dessa enzima é ainda mais fundamental porque os
pró-fármacos, como também são denominados, precisam ser ativados por ela
para que realmente se transformem em medicamentos.
Quando
não há variações na enzima, o medicamento é absorvido de acordo com o
que está prescrito na bula. Se existirem variações, elas podem deixar o
metabolismo mais lento para a absorção da substância ou mais rápido,
além de existir ainda uma alteração intermediária entre essas
possibilidades. Quando a metabolização ocorre de forma lenta, pode
acumular a substância no organismo, causando reações adversas
medicamentosa, muitas delas graves, além de trombose nas artérias
coronarianas, derrames e até a morte do paciente. Se a metabolização é
muita rápida, o risco é de sangramentos.
Pesquisas
mundiais apontam que cerca de 30% dos pacientes correm sérios riscos
por conta de variações na atividade dessa enzima. As primeiras
informações que deram conta deste desvio de padrão no funcionamento do
produto saíram de um estudo de metanálise publicado pelo jornal da
Associação Médica Americana (JAMA) em 2010, contabilizando nove
pesquisas independentes com 10 mil pacientes analisados.
Obrigatório nos EUA
“Desde
então, o FDA, órgão responsável pela vigilância sanitária nos Estados
Unidos, determina que a bula desse tipo de medicamento deve orientar os
médicos a recomendarem testes cardiogenéticos aos pacientes”, diz o
médico Mario Grieco, presidente da Life Diagnósticos, que nacionalizou
esse teste farmacogenético, antes realizado apenas em laboratórios fora
do país e a um preço inacessível para a maioria dos brasileiros.
No
caso dos pacientes com metabolização lenta, os estudos comprovaram que
há absorção em média 32,4% menor do Clopidogrel apresentando risco
aumentado de 53% de morte por eventos cardiovasculares e aumento de 3
vezes no risco de trombose para pacientes com stent, explica Grieco.
Pacientes com metabolização ultrarrápida correm sérios riscos de
sangramento após 30 dias de utilização do produto, complementa o médico.
Outro
estudo, o Triton Timi 38, de 2009, randomizou 13.608 pacientes
divididos entre os que receberam o Clopidogrel e o Prasugrel,
constatando que o segundo medicamento reduz significativamente o número
de eventos isquêmicos cardiovasculares. Dado o alto custo de Prasugrel
em relação ao Clopidogrel, a realização do teste cardiogenético é
recomendada nos Estados Unidos para triagem dos pacientes que utilizam o
produto.
Case de sucesso
O
Clopidogrel é um dos principais casos de sucesso do mercado de
medicamentos genéricos. Desde que o produto referência, o Plavix
(Sanofi), perdeu a patente, em 2006, o consumo da substância em volume
cresceu 565% em 10 anos, de acordo com os dados IMS Health, que audita
as vendas do setor farmacêutico. Indicado para prevenir a formação de
coágulos em pacientes que tiveram Infarto do Miocárdio ou Acidente
Vascular Cerebral recente, é um dos principais produtos em vendas de sua
classe terapêutica.
No
ano passado, foram comercializadas 4.901.504 milhões de unidades de
Clopidogrel (caixinhas). Por ser tomado em uma dose diária, é possível
aferir que 408.458 mil pacientes fizeram uso do produto em 2016 no país,
segundo os dados do IMS Health, mas estima-se que essa população possa
ser o dobro, uma vez que a empresa só computa as vendas em farmácias e
não contabiliza, por exemplo, a distribuição pública da substância.
Questão de saúde pública
Enquanto
quase 100% dos médicos norte-americanos recomendam o teste como forma
de se precaver contra eventuais ações de indenização em caso de
problemas futuros, no Brasil o teste ainda é pouco indicado. “Pelo fato
de até então serem importados, eram pouco acessíveis para a maioria
absoluta dos pacientes”, explica Grieco.
Com
longa trajetória na indústria farmacêutica, tendo sido presidente da
Bristol-Myers Squibb, entre outras multinacionais, Grieco estima que
menos de 5% dos pacientes que usam Clopidogrel tenham realizado o
procedimento no Brasil. Nos EUA, o teste faz parte faz parte do
protocolo de atendimento de clínicas e hospitais.
“Apesar
de conseguirmos realizar o teste no Brasil por um preço bem mais
acessível do que o oferecido pelas importadoras, boa parte da população
ainda sofre com o fato de que não é coberto pelo SUS e não está no Rol
de Procedimentos da ANS, ou seja, também não é coberto pela maioria dos
planos de saúde. Trata-se de uma pauta relevante do ponto de vista de
saúde pública, considerando o número de pessoas que utilizam esse
medicamento”, analisa Grieco.
O
Cardio Gene, teste da Life Diagnósticos que analisa essa variação
genética, custa aproximadamente R$ 500 e podem ser sugeridos pelos
próprios médicos aos seus pacientes. Com objetivo de informar aos
profissionais da saúde sobre a oferta dos testes “nacionalizados”, a
empresa está realizando forte campanha voltada para cardiologistas. “O
valor do teste, considerando que é feito uma vez apenas, é bastante
razoável. Porém, o mais importante é que ele salva vidas”, argumenta
Grieco. A expectativa da Life é fechar o ano com 10 mil testes
realizados. Para 2018, a meta é de 50 mil testes e 100 mil em 2020.
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