Qualidade do leite: o que é importante?
Dra. Maria Teresa Destro (*)
Qualidade é um conceito subjetivo, que está relacionado às percepções de cada pessoa, além de fatores culturais, necessidades e expectativas. Entretanto, um produto alimentício de qualidade, na visão do consumidor, é aquele que lhe satisfaz com seus atributos sensoriais, é nutricionalmente saudável, não causa doenças ou veicula bactérias e está livre de adulterações.
As indústrias de leite e derivados, como as demais do setor de alimentos, se preocupam com a qualidade de seu produto, principalmente numa época em que a credibilidade da marca é muito valorizada. E credibilidade é um atributo desejado, mas que precisa ser conquistado e mantido.
É importante lembrar que qualidade é diferente de segurança/inocuidade do produto. Para o leite in natura, a qualidade é determinada basicamente por três parâmetros: as baixas contagens de células somáticas (CCS), baixas contagens de bactérias mesófilas (CTB), e pela ausência de resíduos de antibióticos ou de outros resíduos químicos.
O estabelecimento de limites de CCS e de CTB esteve relacionado, inicialmente, a ganhos de produtividade e a rentabilidade, tanto para o produtor como para a indústria. Leites com contagens elevadas de CCS apresentam redução significativa de rendimento quando da produção de queijos, além de problemas com textura e sabor dos mesmos. Sabe-se também que a qualidade microbiológica do leite cru, juntamente com a CCS, irá influenciar no sabor e no aroma do leite fluido e de seus derivados, além de interferir em sua vida útil.
A ampliação da vida útil dos produtos é desejada para que uma maior variedade de produtos com apelo “fresco” possa chegar aos consumidores que estão cada vez mais distantes. Assim, mesmo sem a presença de patógenos, a qualidade do leite e de seus derivados pode ser afetada.
E como melhorar a qualidade do leite que chega para industrialização?
A única forma que existe até o momento e produz resultados satisfatórios é aplicando as boas práticas de produção nas granjas, ou mesmo em pequenos produtores individuais. A aplicação de boas práticas deve começar com conscientização e educação do produtor sobre a importância da higiene para minimizar a ocorrência de contaminação. Outro ponto não menos importante é a saúde do produtor e dos demais envolvidos com o manejo dos animais, além do estado de saúde do plantel.
Sem a aplicação das boas práticas na produção do leite, as medidas oficiais que estabelecem a refrigeração na propriedade e a granelização têm pouco impacto na qualidade desse leite. Isso porque, com a refrigeração, os microrganismos psicrotróficos (aqueles que gostam de temperaturas baixas) provenientes do ambiente, dos equipamentos e da superfície do úbere do animal irão encontrar condições para multiplicar.
Se a população de psicrotróficos for elevada (106-107UFC/g ou mL), a quantidade de enzimas proteolíticas e lipolíticas produzidas pelos microrganismos poderá ser suficiente para afetar negativamente a qualidade do leite. Essas enzimas, por serem termo resistentes, não serão destruídas na pasteurização, continuando a atuar mesmo nos produtos derivados desse leite. As alterações podem ser detectadas principalmente em produtos com vida de prateleira mais longa, como queijos, leite UHT e iogurtes.
Outro problema é a sobrevivência de número elevado de micro-organismos após a pasteurização, o que também irá interferir na qualidade do produto.
No leite cru pode ser encontrada uma enorme variedade de micro-organismos provenientes do próprio animal, do ambiente, dos equipamentos de ordenha ou dos humanos que lidam com esses animais. Os tipos de micro-organismos que podem vir do animal são dependentes do estado de saúde desse animal, da presença de fezes no úbere e também da contaminação ambiental.
Dentre os grupos de micro-organismos que podem estar presentes no leite cru pode-se citar micrococos, bactérias láticas (que não recebem esse nome por estarem presentes no leite!), Bacillus spp, Pseudomonas spp e diversos representantes da família Enterobacteriaceae. Dentre os membros das enterobacteriaceas há vários que são patogênicos a humanos.
Falhas de higiene durante ordenha e na manipulação posterior do produto levam a populações elevadas de mesófilos aeróbios. Em diversos países, ou mesmo diversas indústrias aqui em nosso País, a determinação da população de micro-organismos mesófilos é utilizada como critério para o pagamento do produtor, com base na qualidade de seu produto. Isso parece funcionar como um incentivo para o produtor buscar a melhoria da qualidade de seu produto, mas precisa ser acompanhada de todo um trabalho da empresa junto ao produtor.
Segundo a ICMSF em seu livro 8 (Microrganismos em Alimentos, Utilização de Dados para Avaliação do Controle de Processo e Aceitação de Produto, Blucher, 2015) o leite cru deveria ser examinado, não somente para a determinação da população de mesófilos, mas também pela avaliação da população de microrganismos indicadores como Enterobacteriaceae e Staphylococcus aureus.
Eistem empresas, entre elas, uma líder no segmento de microbiologia industrial, sempre preocupada com a tranquilidade do produtor e com a saúde do consumidor, oferece a primeira solução automatizada para enumeração dos microrganismos indicadores de qualidade de maneira segura, muito mais eficiente e rápida, com total rastreabilidade de reagentes e operadores.
A pecuária leiteira e as indústrias de laticínios têm um enorme potencial para crescimento em nosso País, quer seja para suprir a demanda interna ou mesmo para atender à exportação, um dos pontos prioritários para o Ministério da Agricultura. Entretanto, uma série de esforços é necessária para que isso se concretize.
A melhoria da qualidade do leite e dos seus derivados deve ser tratada em ações conjuntas entre produtor, empresas e governo, num processo onde todos saiam ganhando e onde nós, os consumidores, tenhamos a certeza de receber um produto cada vez melhor.
Maria Teresa Destro é PhD em Ciência de Alimentos, com ampla experiência em microbiologia de alimentos, e Diretora de Assuntos Científicos América Latina da bioMérieux. Foi por 25 anos professora e pesquisadora do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP.
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