O combate às fraudes na saúde
Por Pedro Ramos, diretor da Abramge
A
Abramge – Associação Brasileira de Planos de Saúde – há algum tempo
denuncia um dos maiores esquemas de desvios de recursos públicos e
privados da área da saúde: as fraudes envolvendo Órteses, Próteses e
Materiais Especiais (OPMEs). Mesmo após a instauração de duas CPIs, uma
no Senado e outra na Câmara dos Deputados, as informações que circulam
nesta indústria são de que as máfias continuam a atuar.
O
que você faria se descobrisse que o custo de um mesmo produto
médico-hospitalar pode variar entre R$ 30 mil a R$ 100 mil? E se
soubesse que médicos e hospitais são comissionados para encomendar
quantidades absurdas deste produto junto a um fabricante para apenas um
procedimento, clinicamente desnecessário, em um único paciente? E se o
custo deste desperdício contribui para lançar o reajuste anual da
mensalidade de seu plano de saúde às alturas? Esses são alguns dos males
que acometem a cadeia de valor das OPMEs, que anualmente drenam R$ 9
bilhões da saúde suplementar brasileira.
Recentemente,
a diretora de desenvolvimento setorial da Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS), Martha Oliveira, em uma declaração bastante oportuna
concedida ao jornal O Estado de São Paulo, admitiu que há
indícios de abusos financeiros na distribuição de OPMEs. A gestora
anunciou que a agência deve promover medidas para inibir a cobrança de
preços indevidos e práticas ilegais no segmento, entre elas, a adoção
por parte dos planos de protocolos clínicos com indicação clara do uso
de cada material e a padronização da nomenclatura de produtos idênticos
ou similares. Segundo ela, sem esta padronização, os fabricantes alteram
um pequeno detalhe no produto, como um parafuso, e elevam o preço em
até 1000%.
Embora
os planos de saúde desenvolvam constantes mecanismos de controle sobre
as OPMEs, as distribuidoras desses produtos exercem forte influência
mercadológica junto à classe médica. Questões como a ausência de regras
claras para a concorrência entre empresas e o pagamento de comissões
para hospitais e médicos na comercialização têm pressionado os custos
assistenciais das operadoras.
As
mensalidades dos convênios de saúde são formadas a partir de cálculos
atuariais que levam em conta uma média do valor e da frequência dos
procedimentos realizados. Quando esta despesa evolui acima do esperado
por causa de práticas nocivas, ocorre o aumento proporcional de custos
onde a parte mais lesada é o fim da cadeia, ou seja, o consumidor.
Para
se recompor financeiramente as empresas são forçadas a repassar a
despesa extra ao consumidor na forma de reajustes de mensalidades. Com
planos caros, muitos os abandonam e passam a depender exclusivamente da
saúde pública. Esta é uma realidade que, definitivamente, não interessa
ao SUS, às operadoras privadas e muito menos aos beneficiários. O que
fazer, então, para evitarmos esta triste realidade?
Há
na cidade de Montes Claros (MG) uma série de inquéritos policiais junto
à Justiça Federal, que investiga a suspeita de envolvimento ou omissão
da direção de médicos e hospitais no esquema de fraudes no Sistema Único
de Saúde, como venda de próteses coronárias (stent) e dupla
cobrança de pacientes. Graças ao trabalho que vem sendo desenvolvido, o
Ministério Público Federal denunciou diversos envolvidos no esquema que,
sozinhos, teriam desviado milhões do setor de saúde.
Infelizmente
esses mesmos indivíduos, suspeitos de terem causado danos irreparáveis à
saúde e à vida dos cidadãos, voltaram a clinicar normalmente, sem
qualquer restrição por parte dos conselhos regionais ou federais –
responsáveis pelo acompanhamento ético e técnico da prática médica – ou
da Justiça.
Na
outra ponta da cadeia, a Abramge está prestes a entrar na corte
americana com uma ação contra as maiores indústrias de OPMEs dos EUA, de
onde provêm 60% dos produtos médicos que são enviados ao Brasil, sob a
justificativa de estarem comissionando os médicos brasileiros em troca
de submeter pacientes clinicamente sadios a cirurgias para implantação
de seus materiais.
As
fraudes na saúde naquele país, inclusive, são um caso a parte.
Recentemente o Departamento de Justiça norte-americano deflagrou uma
operação na qual cobra 301 pessoas em todo o país por fraudar o sistema
de saúde local em cerca de US$ 900 milhões – algo em torno de R$ 3
bilhões na cotação atual –, o que configurou a maior fraude da história
tanto em termos de número de pessoas quanto de valores envolvidos.
Em
um dos casos, uma clínica de Detroit era, na verdade, uma fachada para
um esquema de desvios de medicamentos que faturou mais de US$ 36
milhões. Em outro, um médico do Texas foi acusado de participação em
esquemas para faturar “serviços de home care desnecessários que muitas
vezes não foram fornecidos”. Nada, porém, que não tenhamos visto em
terras brasileiras.
No
último mês vimos o escândalo na operação das ambulâncias do Samu em
Goiânia, onde um conluio entre paramédicos, enfermeiros, médicos e donos
de hospitais chegou ao absurdo de intencionalmente causar comas em
pacientes que sofriam de males banais – e pior, ainda é investigado se
essa prática levou alguém a óbito. Tudo isso para fraudar os planos de
saúde e desviar dinheiro.
O que você faria se descobrisse que o custo de um mesmo produto médico-hospitalar pode variar entre R$ 30 mil a R$ 100 mil? |
As
operadoras, no entanto, vivem um momento dramático, lidando com margens
operacionais abaixo de 1% e com um déficit superior a 1 milhão de
beneficiários nos últimos meses. É preciso otimizar gastos e as empresas
têm feito sua parte, eliminando 10% em desperdícios operacionais e
administrativos nos últimos 8 anos.
O
desafio agora é racionalizar os custos assistenciais, diminuir os
índices de judicialização e desperdício e, principalmente, combater essa
sinistra cadeia de corrupção que põe em xeque todo o sistema de saúde
brasileiro. Esta é, portanto, uma luta de todos.
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