Julio Gavinho*
Quando eu comecei a escrever este artigo, meus pré-leitores perguntaram: Ora, você não vai escrever sobre hotelaria ou turismo desta vez? Claro que vou. Vou escrever sobre hospedagemlongstay. Para quem não sabe, longstay é o termo que nós hoteleiros usamos para longa permanência, para aqueles que se hospedam conosco por semanas, meses ou anos.
Eu vou falar agora sobre os que ficam hospedados por anos. Antes de ler, lembre-se que eu não sou pacifista-budista. Sou pragmático.
Historicamente a aplicação de penas de reclusão ou de privação da liberdade sempre tiveram o caráter punitivo, de expiação de pecados, infligindo as maiores dores e toda sorte de crueldades aos condenados.
Com o passar dos séculos, a liberdade passou a ser o bem jurídico afetado na penalização das condutas criminalizadas e daí, a prisão surgiu com caráter de sanção. Isto significa, para que eu e você possamos nos entender, que para que a punição e a reintegração do criminoso na sociedade logrem êxito, tal pena não pode ser nem injusta, nem desnecessária, muito menos cruel.
Vamos lembrar que na antiguidade, quando eu nem era nascido, não existiam penas de reclusão: existiam salas de suplicio preparando o condenado (as vezes nem tanto “condenado”) para a pena de morte.
Na era medieval, a então dita lei penal existia para causar pânico em futuros criminosos em primeiro lugar e, pasme, para divertir a turba, em um longínquo “Barriquelesco” segundo lugar. Estou aqui citando livremente Foulcault que nos convenceu de que a execução pública destas penas de morte eram na verdade um ritual político. Através delas, o embrião de judiciário manifestava seu poder em face a sociedade. Tolinhos, pois nos estertores desta era, a Santa Madre Igreja tomou seu papel através nosso famoso Cardeal Juan de Torquemada.
Vamos agora pular uns 500 anos e olhar para nossa pança, mais detalhadamente para o nosso umbigo. A lei de execução penal no Brasil, reformada em 1984 versa sobre a progressão da pena do preso com base no seu mérito. Ora, ora: eu me considero um elemento (para me ater ao tema) razoavelmente esclarecido e não me lembro de ter visto nesta minha curta vida, nenhuma medida de ressocialização da população carcerária no Brasil. O que sim, lembro-me bem de ver são barbáries diárias que começam na recepção do preso, passam pela “violência e estupro de seu corpo” e terminam no “vocês vão ver, eu vou pegar vocês” em um moto-continuo de violência retroalimentada pela própria violência.
Eu explico: falamos primeiro de um delinquente de meia pena: um ladrão não-violento, estelionatário ou traficante de droga. Alguém que não tem a barbárie como oficio. Preso, julgado e condenado a, vamos dizer, 8 anos de cadeia. A possibilidade de que consiga o regime aberto com 1/6 da pena é pequena pois decerto nem advogado tem. Este meliante é jogado em uma cela imunda (Você já viu? Já foi a um presídio? Já viu a comida? Já viu as condições de banho?) com cerca de 80 outros facínoras, por um período de digamos 3 anos. O resultado não é outro senão “vocês vão ver, eu vou pegar vocês!” porque o Estado entrou na cabeça deste criminoso através do sistema carcerário e operou um dano irreversível.
Aproveite aí e pense nos que ficam 6, 10, 12 ou 15 anos nos hospitaleiros Xilindrós Inn do Brasil. Você é uma pessoa razoável e vai concordar comigo que nossas cadeias não recuperam ninguém e, pior do que empurrar a sujeira social para baixo do tapete, é o fato de que estamos alimentando a cobra da violência nas frestas do nosso bairro, esperando que a jararaca tenha bom-senso e não nos morda, mortalmente, na primeira oportunidade. Olha, eu não sou debostejar erudição mas, se você pensa assim amigo(a), vá ler um livro.
Agora falando do segundo tempo do nosso certame, quando concordamos que o sistema judiciário penal brasileiro não presta, o sistema carcerário está doente de morte, corrompido até as tamancas, e que os presos voltarão a sociedade babando por crimes que vinguem sua condição de ex-apenados, eu fico com umas questões incomodas aqui embaixo dos caracóis dos meus cabelos: O que fazer de humano com os condenados e suas vítimas? A vítima é resultado funesto da falta de prevenção. É o efeito colateral da má gestão secular a qual somos todos (todos, é claro) vítimas. E os condenados? É humano enviar meninos e meninas de 19 anos para os nossos presídios como eles estão? Seria humano executa-los a’la chinoise, no atacado, domingão antes do Fla-Flu, poupando-os de anos de sofrimento encarcerado? E os inúmeros doentes mentais levados aos presídios e para a morte violenta antes mesmo do seu diagnóstico?
Somos pessoas tão sãs assim que podemos condenar os loucos ao genocídio? Interessante que eu escolhi esta palavra a dedo. Genocídio. Lembre-se que antes da segunda guerra, em 1937 a Alemanha do Adolfo começou aprisionando pessoas indesejadas da sociedade em 6 campos de concentração com 27 mil prisioneiros. Com o tempo, já em 1940, a Alemanha concluiu que custava uma grana manter todos os seus prisioneiros nas terríveis condições de saúde que os mantinha, e elaborou um detalhado plano de logística e execução em massa de seus prisioneiros que terminou por matar cerca de 6 milhões de prisioneiros. Você não entendeu meu ponto ainda? O caminho para a civilização não passa pela vingança simples e pura da sociedade contra os facínoras criados por ela, ou por ela incentivados. Isto tem outro nome.
Estamos assumindo riscos medievais quando pensamos nesta punição vingativa de rito sumário. Degolas, imolações, fuzilamentos. Parece a plataforma política do Bolsonaro, não é? Não há solução de curto prazo além do policiamento ostensivo treinado e da reforma imediata das instituições penais AKA presídios. Cana dura e justa. Que os presos estudem, se alimentem e façam estas reformas nos presídios e se beneficiem do regime progressivo.
Mas a sociedade não suporta mais ser refém daqueles que sim, deveriam estar sob a sua tutela.
*Julio Gavinho é executivo da área de hotelaria com 30 anos de experiência
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