Fim da segregação de pessoas atingidas pela hanseníase completa 30 anos
Entre tantas histórias tristes, há finais felizes: casal que cresceu isolado em antigo hospital-colônia celebra Bodas de Ouro neste sábado, em Minas Gerais
Em 2016, completam-se 30 anos da abertura dos portões dos hospitais-colônia, que, por décadas, segregaram e marginalizaram pessoas atingidas pela hanseníase. A lei federal nº 610, de 13 de janeiro de 1949, recomendava o isolamento compulsório dos pacientes nestes locais, chamados à época de leprosários. A mesma lei ordenava a entrega dos bebês de pais com hanseníase à adoção, o que levou à separação de milhares de famílias. Esta política de Estado ficou conhecida como o “holocausto brasileiro” e levou essas pessoas a continuarem estigmatizadas até os dias de hoje. A história não pode ser esquecida, como destaca o Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas Pela Hanseníase (Morhan).
Pouco a pouco, os hospitais colônia foram sendo transformados em hospitais gerais. O prazo para a abertura de todos os portões foi 31 de dezembro de 1986. “Os muros foram derrubados, os portões abertos, mas a luta pelo reencontro destas famílias ainda continua”, revela o vice-coordenador nacional do Morhan, Artur Custódio. Aqueles que foram isolados - muitos desde a primeira infância - procuram suas famílias; enquanto filhos separados de suas mães nos primeiros minutos de vida buscam familiares, após anos passados em orfanatos e processos de adoção. Muitos sobreviventes deste período contam suas histórias.
História de superação
Entre as marcas deixadas pela internação compulsória, existem grandes exemplos de amor, alegria e superação. Um desses exemplos é o casal Zenaide Silva Flores, de 70 anos, líder comunitária na igreja, natural de Juiz de Fora, Zona da Mata Mineira, e Nelson Pereira Flores, 73, militante do Morhan, natural de Águas Vermelhas, Nordeste de Minas. Na década de 1950, ainda criança, ambos foram diagnosticados com a doença e arrancados de suas famílias. Foram então internados compulsoriamente na Colônia Santa Isabel, no município de Betim, a cerca de 40 km da cidade de Belo Horizonte. Santa Isabel foi a maior colônia para tratamento e internação compulsória da América Latina e teve sua inauguração no ano 1931.
Eles se conheceram ainda no Pavilhão de Crianças, local destinado para moradia daqueles que, ao chegarem na colônia, ainda não tivessem idade superior a 16 anos. Apesar da forte opressão e poucos contatos, a troca de olhares se transformou em namoro e em casamento, em 29 de outubro de 1966. “A discriminação era tão grande que o padre que fazia o casamento religioso era o mesmo responsável por colher as assinaturas para o casamento civil, já que os pacientes não podiam ir sequer ao cartório da cidade de Betim para oficializar a união com um juiz de paz”, conta Zenaide.
Até a década de 1980, na Colônia Santa Isabel, todos os bebês nascidos eram imediatamente retirados do convívio de seus pais e enviados para orfanatos. A separação obrigatória fez com que muitos casais optassem por não ter filhos. Zenaide e Nelson fizeram essa escolha, até que, em 1º de agosto de 1985, já livres da internação compulsória, adotaram Thiago Pereira da Silva Flores - hoje com 31 anos, advogado e membro da Coordenação Nacional do Morhan. Zenaide e Nelson celebram Bodas de Ouro nesta sábado, dia 29 de outubro. A comemoração religiosa acontece às 20h, no Cine Teatro Glória, palco de importantes acontecimentos de toda a história da Colônia Santa Isabel.
Hanseníase no Brasil
O Brasil é o país que concentra o maior número de novos casos de hanseníase por ano e o único que não está em processo de eliminação da doença, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). De acordo com dados do Ministério da Saúde, em 2014, foram registrados, em todo o país, 31.064 novos casos de hanseníase, o que corresponde a um coeficiente de prevalência de 15,32 novos casos da doença por cada 100 mil habitantes. A OMS recomenda que este índice não ultrapasse o limite de 10 novos casos por cada 100 mil habitantes. Então, apesar de ser 100% curável, com tratamento que interrompe a transmissão em 48 horas disponível gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS), a hanseníase permanece como um grave problema de saúde pública no Brasil. O preconceito, alimentado por décadas de desinformação, parece ser o principal obstáculo ao enfrentamento da doença, considerada a mais antiga humanidade.
Há mais de três décadas, o Morhan luta pela garantia dos direitos humanos de pacientes, ex-pacientes e das famílias que foram separadas durante a vigência do isolamento compulsório de pessoas com hanseníase. No Brasil, até a década de 1980, a lei federal nº 610, de 1949, recomendava o isolamento compulsório dos pacientes com hanseníase em colônias, chamadas à época de leprosários. A mesma lei ordenava a entrega dos bebês nascidos nestes locais à adoção, o que levou à separação de milhares de famílias. Esta situação perdurou até 1986, quando os antigos hospitais-colônia foram transformados em hospitais gerais.
“Durante séculos não havia tratamento para hanseníase e a medicina recomendava o afastamento e segregação dos pacientes. A prática do isolamento compulsório, que permaneceu sem ser questionada mesmo após o advento do tratamento via oral, desencadeou o maior caso de alienação parental da história do país, episódio conhecido como o “holocausto brasileiro”. Em 1986 os portões foram abertos, mas a luta pelo reencontro das famílias e pela reparação de danos continua”, revela o coordenador nacional do Morhan, Artur Custódio.
Desde 2007, a lei federal 11.520 concede medidas reparatórias às pessoas que foram submetidas ao isolamento compulsório. A indenização corresponde a pensão vitalícia de um salário mínimo e meio, garantia de fornecimento de próteses, realização de intervenções cirúrgicas e assistência à saúde por meio do SUS. Porém, as medidas não se estendem aos filhos dessas pessoas, entregues compulsoriamente à adoção ao nascer.
CONTATO
Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan)
Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan)
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