*José Tavares de Araujo Jr.
Num oportuno estudo divulgado em julho deste
ano, o Departamento de Estudos Econômicos (DEE) do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade) analisou os impactos das
medidas antidumping aplicadas pelo governo brasileiro no período
2003–2013. Utilizando um painel de dados com cerca de 346 mil
observações e métodos econométricos recentes, mostra-se que os dois
principais efeitos daquelas medidas são o fortalecimento do poder de
mercado das firmas protegidas e a queda de produtividade do sistema
industrial. Este trabalho pode servir como um ponto de partida para uma
detida reflexão sobre o uso da proteção antidumping no Brasil,
especialmente em contexto no qual o aumento da produtividade se mostra
fundamental para a retomada do crescimento do país.
A legislação antidumping foi introduzida no
país em 1987, com o objetivo de criar mecanismos compensatórios ao
processo de abertura comercial que iria começar com a reforma da tarifa
aduaneira em 1988. Nos anos seguintes, até 2005, este instrumento foi
usado com relativa moderação. Porém, a partir de 2006, é notório que o
governo brasileiro tornou-se um dos principais usuários de antidumping
entre os membros da Organização Mundial do Comércio (OMC). Para se ter
uma ideia, de 2007 a 2013, o número de investigações abertas superou o
total registrado nos 18 anos anteriores, e, segundo a OMC, entre 2011 e
2014, o Brasil se manteve na posição de grande líder mundial na abertura
de investigações.
Ora, embora legítimas e mutuamente acordadas
no âmbito dos Acordos da OMC, as medidas de defesa comercial não devem
ser utilizadas como fundamento para a proteção desmedida de indústrias
com a competitividade reduzida, ou mesmo como instrumentos de caráter
protecionista, cuja utilização é intensificada diante de situações de
crise econômica. Lembrando que o próprio Governo Brasileiro
historicamente defende na OMC o incremento do rigor técnico e da redução
da margem de discricionariedade dos Estados-membro na imposição de
medidas de defesa comercial.
A situação acima descrita torna-se ainda mais
emblemática quando se considera que aproximadamente 80% das medidas
antidumping em vigor no Brasil (e diversas das investigações em curso)
referem-se a matérias primas e bens intermediários, como é o caso do aço
e demais produtos siderúrgicos, produtos químicos, borrachas, entre
outros. Por óbvio, tais insumos afetam vastas cadeias produtivas,
impactando a manufatura de automóveis, máquinas, eletrodomésticos,
equipamentos de construção, tintas, solventes, pneus, solados, artigos
esportivos, artigos, artigos cirúrgicos, mangueiras, e etc. O impacto da
sobretaxa aplicada a insumos básicos ao longo das cadeias produtivas é,
assim, exponenciado, reduzindo competitividade e produtividade, gerando
inflação e aumentando preços ao consumidor final.
Para piorar o cenário, recentemente foi
emitido parecer pela Advocacia Geral da União (AGU) considerando que o
Conselho de Ministros da Camex estaria vinculado às recomendações do
órgão instrutório (DECOM) sobre dumping, dano e nexo causal. Portanto, o
Conselho estaria compelido a acatá-las, salvo nos casos em que for
aplicável a cláusula de interesse público prevista no art. 3o do Decreto no
8058/13. Inverte-se a lógica do sistema, subordinando-se a decisão de
um Conselho de Ministros às opiniões de um órgão de instrução. Algo que,
além de afrontar princípios constitucionais e normas do Acordo de
Antidumping da OMC, confere poderes extraordinários ao DECOM e quebra
toda racionalidade e saudável sistemática de controle de decisões tão
importantes ao funcionamento da economia quanto as medidas antidumping.
A situação é preocupante e, diante dos
impactos à ordem econômica identificados pelo estudo do DEE, compete ao
Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), composto pelo Cade e
a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda
(SEAE), aplicar seus instrumentos de advocacia da concorrência. Caberia
ao Cade, por exemplo, solicitar à AGU a revisão do seu parecer,
sobretudo para impedir que as distorções apontadas pelo DEE venham a se
perenizar. Caberia, por outro lado, à SEAE propor ao DECOM a mudança de
suas rotinas de investigação, ajustando-as à postura aconselhada pela
OMC. Na verdade, bastaria lembrar que investigações antidumping devem
cumprir – na forma e na substância – as ações descritas nos parágrafos 3.4 e 6.12 do Acordo da OMC, que tornam obrigatório, durante a investigação, o exame de todos os impactos
econômicos e sociais que poderão resultar de uma eventual medida antidumping.
*José Tavares de Araujo Jr. é doutor em
economia pela Universidade de Londres, professor titular aposentado da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, diretor do Centro de Estudos de
Integração e Desenvolvimento - Cindes (www.cindesbrasil.org), e ex-Secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (2003-04).
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