Relatório técnico "Estamos de Olho: Avaliação Conjunta dos Hospitais Psiquiátricos do Projeto Redenção" aponta falta de critérios claros para internação de pacientes e problemas estruturais nas unidades contratadas pela gestão municipal
São Paulo, 29 de agosto de 2017 - Na
tarde de hoje, um conjunto de conselhos de classe, entidades da
sociedade civil, Ministério Público e Defensoria Pública apresenta, em
coletiva de imprensa e pela internet, o relatório inédito "Estamos de
Olho: Avaliação Conjunta dos Hospitais Psiquiátricos do Projeto
Redenção".
A
iniciativa ocorre poucos meses após a violenta operação policial
realizada em 21 de maio deste ano nos quarteirões identificados como
'Cracolândia', na região da Luz. Desde então, organizações da sociedade
civil, conselhos de classe, Ministério Público e Núcleos da Defensoria
Pública se uniram em uma rede permanente de monitoramento das ações
estatais que compõem as políticas sobre drogas para a cidade. Por conta
das medidas adotadas pela prefeitura para internar usuários de crack em
hospitais psiquiátricos, essa rede estabeleceu um comitê de fiscalização
social dos novos procedimentos destinados a essa população.
Em
julho e agosto, esse comitê de fiscalização realizou uma série de
visitas técnicas para avaliar as condições de operação e padrões de
tratamento dos Hospitais Psiquiátricos Cantareira, Nossa Senhora do
Caminho, São João de Deus, São Miguel Arcanjo e Casa de Saúde Nossa
Senhora de Fátima, que integram a rede de atendimento do Projeto
Redenção. Os resultados das fiscalizações estão reunidos no documento
lançado hoje, composto por relatórios elaborados pelas organizações
participantes. O
objetivo das inspeções foi identificar a nova dinâmica estabelecida
pela prefeitura para lidar com esses sujeitos e
eventuais violações de direitos humanos no contexto das internações
promovidas em instituições conveniadas ao Projeto Redenção. Além da
estrutura física e das condições de higiene dos locais, foram
averiguadas a voluntariedade das internações e a forma de cuidado dos
usuários.
A rede de entidades mobilizadas no monitoramento social do Redenção inclui: CREMESP - Conselho Regional de Medicina de São Paulo, COREN - Conselho Regional de Enfermagem, CRP - Conselho Regional de Psicologia, COMUDA - Conselho Municipal de Política de Álcool e Drogas, CONDEP - Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo, CRESS - Conselho Regional do Serviço Social de São Paulo, CRN-3 - Conselho Regional de Nutricionistas, Vara da Saúde do Ministério Público e núcleos especializados da Defensoria
Pública (Infância & Adolescência, Direito da Mulher, Idoso e Pessoa
com Deficiência, Cidadania e Direitos Humanos).
Entre as principais considerações da avaliação conjunta constam:
1-
Algumas instituições apresentam boas condições de higiene e operação,
mas as unidades diferem em termos de composição de equipe e recursos
técnicos e médicos adequados; há locais que dispõem de apenas um médico
por turno; no geral, falta estrutura adequada.
2-
Falta integração entre as unidades hospitalares psiquiátricas e o
restante da rede de atendimento psicossocial da prefeitura, dificultando
o encaminhamento de pacientes para outras estruturas de tratamento e
acolhimento;
3-
Todas as instituições fiscalizadas operam na lógica da abstinência e da
desintoxicação, sem estrutura clara de acompanhamento familiar,
encaminhamento pós-alta, reinserção social e tratamento continuado dos
casos;
4- Muitos usuários internados relataram ter chegado aos serviços hospitalares em busca de abrigo e alimento;
5-
Vários usuários relataram desconhecer o motivo e para onde foram
levados; tampouco estavam informados sobre os procedimentos pós-alta e
desconheciam os medicamentos que utilizavam;
6-
Em geral, foi notada ausência de atendimento personalizado aos usuários
e aplicação de projeto terapêutico singular nas instituições; essa
ferramenta é considerada essencial para a promoção do cuidado
qualificado e digno;
7
- Foi observada reincidência, com repetidos relatos de usuários que já
haviam passado períodos anteriores de internação em unidades
psiquiátricas.
8
- Questões de gênero, com atendimento especializado voltado a pessoas
trans e mulheres, são ausentes das práticas de internação; o sexo é
proibido e não há trabalho preventivo como a distribuição de
preservativos.
9.
Em todos os hospitais, foi notada falta de critérios claros para
justificar as internações; são levados em conta apenas critérios de
exclusão baseados em comorbidades que superam a estrutura técnica/
médica dos locais fiscalizados.
Para Mauro Aranha, do Conselho Regional de Medicina, que participou da comissão que visitou os hospitais, "internar
para desintoxicação, sem articular com a rede um projeto terapêutico
individualizado de referenciamento e reinserção social é o mesmo que
devolvê-lo, após a alta, ao abandono e à miséria das ruas".
Sobre
as considerações da pesquisa, Ed Otsuka, do Conselho Regional de
Psicologia, que também acompanhou as missões técnicas, pondera: "Pelo
cuidado em liberdade, pelos direitos humanos, pelas políticas públicas
de qualidade, pelo acolhimento do sofrimento. A higienização, a
segregação, a internação e o silenciamento interessam a que e a quem?".
Ciente
de que a internação em hospital psiquiátrico pode ser um dispositivo
médico para casos extremos, Nathalia Oliveira, especialista do Conselho
Municipal de Política de Drogas, lembra: "Experiências bem sucedidas no
Brasil e no mundo mostram que o caminho da redução de danos, que inclui
cuidado, tratamento, oferta de moradia, emprego e renda para usuários de
drogas em situação de rua sem exigir abstinência, é a melhor
alternativa do ponto de vista da garantia de direitos humanos e da saúde
pública. O Redenção vai na contramão dessa visão".
Download da integra do documento: http://edelei.org/_ img/_banco_imagens/relato%CC% 81rio-web-v2.pdf
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