O
avanço da tecnologia nos leva a imaginar um mundo de ficção científica,
com todas as facilidades das coisas ao alcance da mão: carros elétricos
sem motorista atendendo ao chamado pelo smartphone; energia solar ou
eólica em abundância para limpar a atmosfera; cidades sem trânsito,
poluição ou barulho; alimentos puros produzidos em espaços menores;
computadores capazes de compreender melhor a Humanidade para tentar
harmonizá-la; educação de alta qualidade acessível a crianças de todo o
Planeta.
Então,
o melhor a fazer é trazer a imaginação para a realidade, pois tudo isso
está em fase avançada de desenvolvimento e não é nenhum exercício de
futurologia acreditar nesse novo mundo funcionando dentro de vinte anos.
Pois é, vinte, apenas.
O
mais fantástico de tudo é que a tecnologia vai, ao mesmo tempo,
alongando a vida dos seres humanos e já é possível vislumbrar uma
longevidade para além dos cem anos para boa parte da população mundial.
Aparelhos de alta precisão poderão antecipar diagnósticos ainda difíceis
de detectar. E se robôs podem realizar hoje cirurgias mais delicadas,
imagine-se daqui a duas décadas.
Mas
não há projeto para milagre – isso ainda pertence ao departamento de
divindades. Por isso, o coração deve estar preparado para bater por
muito mais tempo, desde que se cuide bem dele, com visitas periódicas ao
cardiologista, exercícios rotineiros, uma vida saudável, sem estresse e
sem vícios ainda comuns, como o sedentarismo ou o cigarro. Esta parte
não muda, mesmo porque nenhuma tecnologia pode prever a reinvenção do
homem.
A
média de vida aumenta três meses a cada ano. Em 2013, a expectativa de
vida era de 79 anos nos países desenvolvidos e no ano passado aumentou
para 80. É um aumento natural, de forma que em 2037 a vida média
naqueles países estaria por volta de 85 anos pelas condições atuais.
Estaria, se o futuro não viesse tão depressa.
A
conta no Brasil é mais modesta, de 72,7 anos atualmente. Mas vem
aumentando, em razão do crescimento econômico. Essa longevidade serve
para avaliar a qualidade de vida da população de um determinado lugar.
Mas
bem sabemos que o Brasil ainda se encontra capenga diante dos países
desenvolvidos. Depois, o percentual médio brasileiro no quesito
esperança de vida não reflete a realidade, pois particularidades
regionais são camufladas e oscilam de Estado para Estado.
É
o resultado de uma história errante desde o Descobrimento. E por maior
que seja a pressão da sociedade por serviços básicos de qualidade, os
governantes em geral ainda não conseguem retribuir para o povo uma das
mais elevadas cargas tributárias do Planeta.
O
certo é que a civilização avança e mesmo países em desenvolvimento como
o nosso e os mais pobres, como a maioria dos africanos, acabam por
acompanhar lentamente, apesar dos pesares.
Um
dos avanços na área da medicina deve entrar em operação em breve: um
software desenvolvido pela empresa de sequenciamento genético Ilumina em
parceria com a IBM Watson para fornecer relatórios mais precisos no
combate ao câncer.
Por
meio de uma amostra do tumor do paciente, o sistema de computação
cognitivo poderá analisar os dados, de modo que o médico tenha
informações minuciosas para um ataque mais eficaz à doença. E bem no
início, fundamental para a cura.
Na
área cardiológica, os avanços também são rápidos e permanentes, desde
os transplantes e a descoberta de novos medicamentos para evitar a
rejeição, passando pelos stents – que, em muitos casos, evitam as
cirurgias mais invasivas -, cirurgia robótica, corações mecânicos e
outros tratamentos cada vez mais eficientes. Se o paciente contribuir
com uma existência saudável, essa bomba de sangue do organismo
seguramente vai sobreviver por mais de cem anos, sem sobressaltos.
E
tudo leva à prevenção. Como o Tricorder, em vias de chegar ao mercado -
um aparelho portátil para autodiagnosticar condições médicas e coletar
sinais vitais básicos em questão de segundos. Ele pode, por exemplo,
digitalizar a retina, colher amostra de sangue ou medir a respiração – e
ainda analisar 54 biomarcadores para identificar doenças.
Nem
o humor e a mentira vão escapar. O aplicativo "Moodies" poderá mostrar
se o portador está bem ou mal-humorado. E em 2020 haverá aplicativos
para revelar, por meio de expressões faciais, se alguém está
mentindo. Basta imaginar um debate político...
Em
breve não precisaremos mais de automóveis, a locomoção será por carro
autônomo. Na verdade, vamos precisar de 90 a 95% menos de carros e os
estacionamentos poderão virar parques. O mais importante: um milhão de
vidas será salvo em razão disso. Hoje, um milhão e duzentas mil pessoas
morrem a cada ano em acidentes de trânsito em todo o mundo – o que
equivale a um acidente a cada cem mil quilômetros. Com a condução
autônoma, esse número deve cair para um acidente a cada dez milhões de
quilômetros. As principais indústrias automobilísticas serão Tesla,
Apple, Google.
Em
seu livro “Crônicas de uma Sociedade Líquida”, Umberto Eco dizia que
“continuamos a acreditar que vivemos numa época em que a técnica dá
passos gigantes e diários... mas refletimos com menor frequência sobre o
fato de que o aumento do tempo médio de vida é o maior avanço da
humanidade”.
E
lembrava: “Os computadores já eram anunciados pela máquina calculadora
de Pascal, que morreu aos 39 anos e já era considerada uma bela idade. A
propósito, Alexandre Magno e Catulo morreram aos 30, Mozart aos 36,
Spinoza aos 45, São Tomás aos 49, Shakespeare e Fichte aos 52, Descartes
aos 54 e Hegel, velhíssimo, aos 61”. Umberto Eco morreu em fevereiro do
ano passado aos 84 anos.
Como
se vê, a tecnologia apressa a chegada das coisas, mas o que importa
mesmo é alongar a vida dos homens, sem nenhum milagre à vista no
periscópio. O que há é muita inteligência a serviço do bem-estar da
civilização. Que não funciona, sem a batida firme do coração.
E se assim é, façamos um brinde aos cem anos.
(*) Américo
Tângari Junior é especialista em cardiologia pela Sociedade Brasileira
de Cardiologia, Associação Médica Brasileira e da BP - A Beneficência
Portuguesa de São Paulo.
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